post. domingo,20/01/2013
RIO e BRASÍLIA - A notícia do estupro de uma jovem de 23 anos por
seis homens em um ônibus em Nova Délhi chocou o mundo e jogou luz sobre o
problema da impunidade contra esse crime na Índia. Os registros mais
recentes do Brasil, no entanto, mostram que somente entre janeiro e
junho de 2012 ao menos 5.312 pessoas sofreram algum tipo de violência
sexual.
O número representa uma queda de 28% em relação a 2011,
mas um crescimento de 54% em relação ao mesmo período de 2009. Essa
estatística inclui os casos de estupro, assédio sexual, atentado
violento ao pudor, pornografia infantil, exploração sexual e outros
crimes sexuais. Em média, a cada dez casos, 8,5 são contra mulheres. No
caso específico de estupros, de 2009 a 2012, houve crescimento de 157%.
Até
2009, o Código Penal só tratava como estupro a agressão com penetração
vaginal comprovada. O toque e até a penetração anal eram tratados como
atentado ao pudor. A mudança na lei, na avaliação de Aparecida
Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres, encorajou as mulheres a denunciar as agressões, influindo
sobre as estatísticas.
— As mulheres estão tendo mais coragem de denunciar, elas estão se sentindo menos culpadas — avalia Aparecida.
O
Ministério da Saúde diz que os casos de violência passaram a ter
notificação obrigatória em todos os serviços de saúde apenas em 2011, o
que contribui para o aumento da quantidade de casos. Aparecida ressaltou
o aumento dos estupros coletivos no país, especialmente em festas. Em
agosto de 2012, os dez integrantes de uma banda de pagode teriam
estuprado duas adolescentes após um show na Bahia. Em fevereiro do mesmo
ano, cinco mulheres foram estupradas, das quais duas morreram, em uma
festa em Queimadas, na Paraíba. Nove homens foram detidos.
A
secretária diz que os movimentos em defesa das mulheres têm usado bem as
redes sociais para protestar. As ONGs teriam conseguido, por exemplo,
evitar a contratação da banda de pagode para eventos e até retirar o
patrocínio de empresas ao grupo.
— Não tem revolta como teve na
Índia. Mas existe um outro tipo de mobilização no Brasil que tem
funcionado, que são as redes sociais — avalia Aparecida.
Se os
casos se contam aos milhares no Brasil, entidades de defesa da mulher
advertem que a punição ainda é muito baixa, apesar do aumento
progressivo das denúncias que chegam à polícia. Segundo o Ministério da
Justiça, há no Brasil 12.704 presos por estupro — 99,2% são homens. Há
ainda 8.005 presos por atentado violento ao pudor e 665, por corrupção
de menores.
Leila Linhares Barsted, coordenadora executiva da
Cepia, uma ONG que atua contra a violência sexual, acredita que um dos
motivos da impunidade é o baixo índice de mandados de prisão cumpridos
neste tipo de crime.
— Uma coisa é a polícia mandar prender, outra
coisa é o indivíduo ser achado para ser preso — afirma Leila, ao
concordar que as mulheres estão mais encorajadas a denunciar seus
agressores. — De fato, muitas mulheres estão mais corajosas para
denunciar. Quanto mais se divulgam informações sobre direitos e quanto
mais se oferecem serviços, vai aparecer mais violência. O que acontece é
que o aumento da demanda das vítimas aos serviços públicos dá
visibilidade maior aos crimes.
Proporcionalmente ao número de
habitantes, o Rio de Janeiro tem o menor índice de estupradores presos:
1,4 por 100 mil pessoas. Já Roraima está em primeiro lugar: são 26,15
presos por estupro para cada 100 mil habitantes.
No estado do Rio, 16 estupros por dia
Se
os dados do SUS apresentam um aumento nas notificações, os dados da
Secretaria de Segurança do Rio apresentam números ainda mais
assustadores. De janeiro a outubro do ano passado, foram registrados
5.055 casos de estupro, mais do que as 4.022 ocorrências, registradas
entre janeiro e dezembro de 2011, segundo o Instituto de Segurança
Pública (ISP).
Em 2012, houve, em média, a ocorrência de 16
estupros por dia no estado. Os agressores mais frequentes são amigos ou
conhecidos, com 1.333 registros; o pai, com 447; e o padrasto, com 444.
Para
enfrentar as agressões sexuais no país, a Secretaria Nacional de
Políticas para as Mulheres tem investido em duas frentes: campanhas
educativas para atingir principalmente crianças e adolescentes, uma vez
que o agressor normalmente é um parente ou conhecido da família; e
fortalecer os serviços de atendimento públicos disponíveis para a
vítima, como as delegacias e os profissionais nos hospitais e postos de
saúde.
— Isso mostra o comportamento machista da nossa sociedade,
que autoriza que homens se apropriem do corpo da mulher. É como se o
homem não pudesse ouvir o não. Se a sociedade não começar a reagir, nós
logo vamos estar numa situação como a da Índia —afirmou Aparecida.
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